Sunday, May 11, 2008

A LITERATURA COMO OÁSIS NA NOSSA LONGA VIAGEM

(Tema para discussão na conferência “Timor-Leste: Que Futuro?” na UNTL, 23 Abril 2008)

por Abé Barreto Soares


Uma boa tarde para todos os amigos que vieram hoje aqui participar na conferência “Timor-Leste: Que Futuro?”

Antes de mais, gostaria de agradecer aos membros da comissão organizadora por me terem convidado a estar presente, em particular à Dra. Fátima Mendes e à minha amiga Mara, pela consideração que têm manifestado para comigo, convidando-me e envolvendo-me com frequência nas actividades culturais lusófonas em Timor-Leste, especialmente na capital Díli, incluindo nas actividades desta feira do livro.

Eu preparei esta minha intervenção em tétum. Devo dizer-vos, com toda a franqueza, que não me sinto ainda com capacidade suficiente para me exprimir de forma adequada, por escrito, recorrendo ao português. Para traduzir esta intervenção para português, tive a ajuda do meu colega Luis Pinto. O meu português falado também está a amadurecer, mas ainda não está maduro. Por isso, peço a vossa tolerância e compreensão, neste encontro como noutras ocasiões, se repararem que estou a violar alguma regra gramatical.

É com muito prazer que faço parte deste painel, ao lado de outros conferencistas, para vos apresentar algumas breves reflexões sobre o futuro de Timor-Leste. É também para mim uma honra vir à Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), respirar a doce brisa dos ambientes académicos.

Com a minha presença hoje aqui, são cinco as vezes que vim a esta prestigiada universidade para falar sobre questões culturais: em 2002 estive aqui por duas vezes – para participar nas actividades de comemoração da restauração da independência no mês de Maio, lendo poesia, e depois para dar uma palestra no Departamento de Inglês intitulada “Xanana Gusmão: The Man of Letters”; em 2004, estive aqui uma vez para falar no Departamento de Português sobre “Fernando Sylvan: Ha’u-nia Mestre, Ha’u-nia Mentór Literáriu”; e em 2007, uma vez também para falar sobre “Influénsia Literatura Portugueza Iha Ha’u-nia Karreira Literária”.

Num encontro que tive com a Dra. Fátima e a Mara há duas semanas atrás, disse-lhes que poderia voltar a falar na minha intervenção de hoje sobre o tema “Influénsia Literatura Portugueza Iha Ha’u-nia Karreira Literária”, que abordara na UNTL um ano antes.

Mas depois de, no sábado passado, ter visto no panfleto da feira do livro que o tema da conferência de hoje seria “Timor-Leste: Que Futuro?”, mudei de ideias e decidi que falaria sobre um tema diferente. Assim, irei falar hoje sobre “A Literatura como Oásis na Nossa Longa Viagem”.

Timor-Leste, como as outras nações, tem um passado que percorreu, tem um presente que vive com intensidade, e também terá um futuro, com o qual sonha.

O passado de Timor-Leste está, sem dúvida, repleto de zonas de luz e de sombra. O passado de Timor-Leste é uma referência, é um grande espelho para os seus filhos se olharem sem rodeios e assim poderem seguir em frente, enfrentando cada dia com serenidade e alegria

Neste momento, as actividades relacionadas com o desenvolvimento processam-se de modo intenso, como todos sabem. Eu vejo todas as actividades que acontecem actualmente em Timor-Leste, entre o povo, na nação, como parte de uma longa viagem colectiva. No contexto desta conferência, a pergunta que eu gostaria de colocar é a seguinte: como é que a literatura, enquanto ramo das artes, se encaixa neste processo de desenvolvimento?

Para responder à pergunta colocada, eu tentarei defender que a literatura é como que um óasis no deserto, no processo do desenvolvimento. A literatura tem a capacidade de alimentar as nossas almas. A literatura ajuda-nos a mergulhar mais longe nos pensamentos profundos sobre a vida: de onde vimos? onde estamos? para onde vamos? Enquanto povo, enquanto nação, podemos seguir em frente quando as nossas almas recebem um novo alento e se sentem revigoradas . Isto corresponde, se não me engano, àquilo que o poeta Fernando Pessoa quis expressar quando escreveu “Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena!”

A literatura (poesia) ajuda-nos a purificar o coração e o espírito nessa longa viagem. Para reforçar esta ideia, permitam-me que cite o antigo Presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, num discurso que fez no Amherst College, Amherst, Massachusetts, a 26 de Outubro de 1963:

“When power leads men towards arrogance, poetry reminds him of his limitations. When power narrows the areas of man’s concern, poetry reminds him of the richness and diversity of his existence. When power corrupts, poetry cleanses. For art establishes the basic human truth which must serve as the touchstone of our judgement.”

[Quando o poder torna os homens arrogantes, a poesia lembra-lhe os seus limites. Quando o poder estreita as suas preocupações, a poesia recorda-lhe a riqueza e diversidade da sua existência. Quando o poder corrompe, a poesia purifica. Porque a arte define uma verdade humana fundamental que deve servir de pedra-de-toque para os nossos juízos.]

Ainda relacionado com a questão acima referida, o poeta mexicano Octavio Paz provoca-nos ao acrescentar

“if a society eliminates poetry, then that society commits a spiritual suicide”

[se uma sociedade elimina a poesia, está a cometer um suicídio espiritual.]


Enquanto indivíduo que partilho esta longa viagem com os meus irmãos e irmãs timorenses, e como cidadão do mundo, sempre encarei como um desafio as seguintes perguntas existenciais: o que é que eu já realizei? o que faço agora? que irei fazer na minha vida futura? Para reflectir melhor sobre essa preocupação, gostaria de partilhar com os amigos aqui presentes um pequeno poema da minha autoria (que foi traduzido para português pelo meu amigo poeta/cronista Tozé Borges):

SOU UMA PEDRA QUE TU ATIRASTE (PARA O LAGO)

(Uma Meditação Crepuscular)

“quando todas as cordas da música da minha vida forem tocadas, então cada toque Teu criará a música do amor”
Rabindranath Tagore

Senhor, sou simplesmente uma pedra que atiraste
para um refrescante e transparente lago

E afundo-me

Em breve afastando-me para trás do ondular das ondas
que se movem lentamente
para o limite

O pôr-do-sol,
iluminando com os seus raios,
beijando os lábios do lago

O ondular das ondas, suavemente espumando-se

O ondular das ondas, lentamente
desaparecendo

***

2002-2005

Falando agora em termos pessoais, eu tenho actualmente um filho rapaz, com um ano e cinco meses e meio de idade. Evidentemente que nasceu durante a crise política-militar de 2006. Tenho um sonho simples para ele, enquanto pai que colabora no seu processo de crescimento. O meu sonho é assim: gostava de ver Timor-Leste, a terra do crocodilo sagrado, a florescer e a amadurecer no futuro. Dessa forma, o meu filho Habas, aliás Teo, terá uma oportunidade para viver em paz e tranquilidade no nosso país. Para exprimir melhor o meu sonho, gostava de oferecer aos amigos presentes um pequeno poema (que também foi traduzido para português pelo meu amigo Tozé Borges):

FLORINDO ETERNAMENTE

Tudo será esmagado
Tudo será quebrado
Tudo se tornará poeira

Novos rebentos surgirão, florindo a terra plana

Nós rezaremos
Nós cantaremos as canções ancestrais
Nós dançaremos tebe
Nós dançaremos bidu
Circundando as pedras da casa sagrada

Uma grande esteira será estendida
Todos nos sentaremos
Os nossos corações estarão serenos
As nossas mentes estarão tranquilas
Dizendo a verdade
Recontando os males feitos

A felicidade do amor surgirá
A beleza da paz será verde
Florindo e florindo
Florindo eternamente


***

Díli, Junho de 2006

Obrigado a todos pela vossa atenção.

1 comment:

Celso Oliveira said...

Ao meu amigo poeta e tradutor Abe. Da Inglaterra vai um forte abraco. Desculpa, este teclado nao tem acento etc....

celso